domingo, 9 de dezembro de 2012

O CORVO, O RATO E OS POMBOS





             O CORVO, O RATO E OS POMBOS
                         Fábula de Pilpay
Perto da cidade havia um lindo sítio que, por ser habitado por muitas aves, era muito freqüentado pelos caçadores. Um dia neste sítio um corvo viu por acaso, no pé da árvore onde tinha feito seu ninho, certo caçador com uma rede na mão. O pobre corvo a princípio assustou-se, julgando ser ele que o caçador queria apanhar; mas o seu receio acabou quando viu os movimentos do homem que, depois de ter estendido a rede no chão, e de ter espalhado alguns grãos de trigo para atrair as aves, foi esconder-se por detras de uma sebe - (cerca viva de plantas)- . Mal tinha deitado no chão quando veio um bando de pombos e se atirou ao trigo sem atender ao seu chefe que quis evitar isso, dizendo-lhes que não deviam se entregar assim aos seus impulsos. Este chefe prudente, que era um velho pombo chamado Montivaga, vendo que eles eram tão teimosos, muitas vezes pensou em se separar deles; mas o destino, que impiedosamente domina todos os entes vivos, obrigou-o a seguir a sorte dos outros, de modo que pousou no chão com seus companheiros.  Pouco tardou para que se vissem debaixo da rede caindo nas mãos do caçador.
- Então disse-lhes Montivaga com tristeza:- O que estão pensando agora? se escaparmos desta, acreditarão em mim na próxima vez que eu lhes avisar? Estou vendo, continuou, reparando como eles se debatiam para escapar, que cada um de voces só se importa consigo mesmo, não cuidando dos seus companheiros;  aproveito para lhes dizer que este modo de agir é não só ingrato, mas também estúpido; devemos nos ajudar uns aos outros, pode ser que unidos possamos nos salvar a todos: tentemos todos romper a rede.
Todos obedeceram a Montivaga, e tão bem trabalharam que arrancaram a rede do chão e a levaram consigo para o ar.  O caçador, vendo isto, e zangado por perder tão boa prêsa, seguiu os pombos, na esperança de que o peso da rede os cansasse.
Do alto de uma árvore, um côrvo, observando tudo, disse consigo: "Esta aventura é muito interessante; não quero deixar de ver como acabará"; levantou vôo e seguiu-os.
Montivaga, vendo que o caçador estava resolvido a perseguí-los, disse aos companheiros: - Este homem não deixará de nos perseguir senão quando nos perder de vista; portanto, para isto não acabar mal, vamos para um bosque denso ou castelo arruinado, para que, quando nos oculte alguma floresta ou muro, ele desista e volte para casa. 
Seu plano surtiu o efeito desejado, pois, tendo eles se escondido entre os ramos de uma densa floresta, o caçador os perdeu de vista e voltou para casa desgostosíssimo com a perda da caça e da rede.
Quanto ao corvo, contiuou a seguí-los, tendo a curiosidade  de ver como se escapariam da rede, para no futuro poder por em prática a mesma estratégia se necessário fosse.
Os pombos, vendo-se assim livres do caçador, ficaram contentíssimos: a rede, porém, ainda os atrapalhava, mas Montivaga, que era fértil em invenções, não tardou a achar o remédio: Devemos nos dirigir, disse ele, a um amigo sincero, que nos livre esta rede. Conheço um rato que vive perto daqui, fiel amigo meu, cujo nome é Zirac; tenho a certeza de que ele roerá a rede para nos por em liberdade.
Os pombos, que não pretendiam outra coisa, todos concordaram em voar até à casa desse amigo; e pouco depois chegavam à toca do rato, que apareceu ao ouvir o ruflar das asas, e disse, admirado e surpreendido por ver Montivaga preso na rede:
- O, meu querido amigo! como te aconteceu isto? 
Montivaga respondeu-lhe:
- Meu caro amigo, peço-lhe que nos livre desta rede, mas solte primeiro os meus companheiros.
Mas Zirac, aflito por ver o seu amigo preso, se preocupou mais com ele que por todos os outros, queria libertá-lo primeiro; mas Montivaga exclamou:
- Peço mais uma vez, em nome de nossa santa amizade, que solte os meus companheiros antes de mim; eu como seu chefe devo me preocupar primeiro com eles, além disso, você poderá cansar-se rapidamente, e tenho certeza que, mesmo cansado, nunca desistirá até me soltar; a amizade que tem por mim o animará para soltá-los depressa, para que mais depressa possa me soltar.
O rato, admirando a solidez destes reciocínios aplaudiu a generosidade de Montivaga, e pos-se a soltar os outros; e, feito isso, o que levou pouco tempo, pôs em liberdade o seu velho amigo.
Montivaga, uma vez livre, despediu-se, assim como os companheiros, de Zirac, agradecendo-lhe mil vezes a sua generosidade. E quando já tinham ido, o rato voltou para a toca.
O corvo, tendo observado tudo isto, teve grande vontade de conhecer Zirac. Para esse fim dirigiu-se à toca e chamou-o pelo seu nome. Zirac, assustado por ouvir uma voz estranha, perguntou quem era; ao que o corvo respondeu: - - É um corvo; tenho um assunto importante a tratar com você.
- Que assunto, respondeu o rato, podemos nós ter a tratar? Somos inimigos. 
Então o corvo disse-lhe que desejava ser seu amigo, pois tinha visto o quanto era sincera  sua amizade por Montivaga.
- Peço-lhe, respondeu Zirac, que procure qualquer outra criatura cuja amizade melhor se case com a sua. Está perdendo seu tempo querendo me persuadir a uma reconciliação tão pouco natural. Somos incompatíveis. 
- Não me fale de incompatibilidades, disse o corvo, mas faça uma ação generosa dando a sua amizade a uma criatura inocente que lhe pede.
- Pode falar em generosidade até que seus bofes estourarem, respondeu Zirac; conheço muito bem suas manhas: em suma, somos criaturas de espécies tão diferentes que nunca poderemos ser amigos.  Sei do que aconteceu com a perdiz que impensadamente deu a sua amizade a um falcão; isto é o bastante para me fazer prudente. Não credite que vou confiar em suas promessas e ficar à sua mercê.
- Pondere, respondeu o corvo, que para mim não vale a pena enganar minha fome com um corpinho tão pequenino como o seu; portanto, não é essa a razão porque quero sua amizade; sermos amigos será bom para nós dois.
Mas o rato, muito esperto, não se deixou enganar.
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MORAL DA HISTÓRIA
Pessoas muito diferentes não conseguem ser verdadeiros amigos. Amizade depende de afinidades. É preciso ter prudência com aqueles que pensam diferente de nós. 
Nicéas Romeo Zanchett
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Pilpay é o suposto autor duma coleção de fábulas, chamadas "Fábulas de Pilpay", que teve origem numa antiga coleção índica, escrita em sanscrito e intitulada "Panchatantra". Foi primeiro traduzida para pahlavi cêrca do ano 550 e subsseqüentemente transmitida através do árabe a todos os povos da Europa. Encontram-se versões em malaio, mongol e afghen.  Nos dá uma lição de como devemos escolher nossos amigos e quais as vantagens que podem advir dessa amizade.
Nicéas Romeo Zanchett
http://asfabulasdeesopo.blogspot.com.br